Parque só no nome


Jardim Colonial, Parque Santa Magdalena, Capão Redondo, Chácara Santo Antônio, Vila das Belezas... já reparou quantos bairros ou territórios de metrópoles têm nomes que remetem a áreas verdes, ajardinadas ou de beleza natural?

Os exemplos são variados, a lista só vai aumentando.

Jardins e parques quase sempre despertam um sentimento de bem-estar nas pessoas, evocado pelo contato com o verde que viceja e revigora o espírito e nos lembra que, embora muitas vezes brutal, a Natureza também pode ser amena e gentil, quando harmonizada à capacidade humana de transformação.

Voltando aos bairros da nossa cidade — no caso, São Paulo, embora isso seja verdade em outras metrópoles brasileiras, qualquer habitante dessas regiões pode constatar no cotidiano que elas guardam pouca ou nenhuma semelhança com os parques e jardins que carregam em seus nomes.




Ruas sem uma árvore sequer, plantas minguando em canteiros espremidos entre avenidas escaldantes e pequenas mudas estranguladas por espécies invasoras, sem contar a maldita grama e o invencível capim que se espalham por cada pedaço de solo exposto, cobrindo e matando a riqueza e beleza diversa da vegetação rasteira nativa.


O projeto de urbanização insano, que se acelerou nos últimos 100 anos, levou apenas pouco menos de um século para transformar um paraíso de diversidade e abundância em água, em uma terra, que se não completamente estéril e árida, no mínimo agonizante e desolada.

Retalhadas e espaçadas ao sabor dos interesses econômicos, as áreas verdes remanescentes em São Paulo não apresentam um ponto convergente de ligação, são verdadeiras ilhas de vegetação cercadas de vidro, concreto e asfalto: um luxuriante oásis para os escaldados paulistanos que, contra os raios fustigantes do sol, contam apenas com a proteção de um boné, chapéu ou sombrinha, e pedem incessantemente a Deus que o calor não traga uma tempestade que os impeça de chegar em casa ainda no mesmo dia.



Ainda que insuficientes e isolados, os bosques da cidade, quer nativos da outrora imponente Mata Atlântica, quer plantados pela ação humana, formam os parques urbanos de São Paulo — a praia do paulistano, como costuma se dizer, — e, perrengues urbanísticos à parte, são garantia de lazer e bem-estar que, ao menos por enquanto, estão ao alcance de qualquer munícipe.

Digo “por enquanto” porque as concessões de parques pelo governo municipal e estadual correm a passos largos e seus resultados, vantajosos ou não, são incertos. Não tendendo a ser parcial no que diz respeito às concessões, mas se a experiência do nosso processo civilizatório tem algo a ensinar, é que, nos trópicos, não somos fustigados apenas pelo sol, e sim também pelas “boas intenções” dos nossos governantes.


Conceder para melhorar ou deixar do que jeito que está?

Olha, eu não sei, mas não troco o estacionamento gratuito do meu querido e acolhedor Parque do Carmo (ainda que o banheiro às vezes, de fato, não tenha papel higiênico) pelas emperiquitadas barracas de comércio do concedido a contragosto Parque do Ibirapuera.

Opinião essa que, puramente sentimental, deixa o leitor livre para fazer seu próprio juízo racional das concessões, que, apresentadas como um ótimo negócio para os cofres públicos, parecem-me uma tentativa moderna de entregar nossos poucos parques e jardins a interesses anônimos disfarçados de iniciativa privada, que irão, como em um passado não tão distante, retalhá-los como lhes aprouver.

Basta maquiar um poucos as áreas externas, fazer umas obrinhas de zeladoria, colocar alguns quiosques e pronto: as parceiras público-privadas tomam conta da cidade muito melhor que o Estado, tá vendo? Parquinho e jardinzinho conservadinhos, e mais importante, muito bem cercadinhos, agora é hora de vir com as torres que vão valorizar o local.

As incorporadoras são grandes poetas na hora de criar o nome dos seus empreendimentos imobiliários: é “Parque não sei o quê”, “Jardim dos Pássaros” (onde não há pássaro algum), “Recanto das Cotovias” (você já viu alguma perdiz em Perdizes? Nem eu)*, entre tantas outras bobagens de marketing desconectadas da realidade.


Talvez eu não entenda nada de parques e jardins, peço desculpas.

No jardim onde eu cresci e moro até hoje, o Jardim Colonial, restou pouco das matas ciliares que devem ter coberto as margens do Rio Aricanduva, e a única floresta que conheci na infância, vi nas imagens do Discovery Channel.


Autor: Rafael Silva, tradutor, revisor e paulistano que também reza pra não pegar chuva.

* Nota da nossa Bióloga (Caroline Figueiredo): Para quem não conhece, segue imagens de uma espécie de cotovia e de perdizes, respectivamente.




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